segunda-feira, 6 de setembro de 2010

Silvinha

Hoje em dia a maioria das pessoas sofre por serem rápidas demais.
Sempre estão com pressa, furando os sinais vermelhos, correndo pelas rodovias, casando antes do tempo, falando mais rápido que a língua.
O caso é que a maioria é assim, mas Silvinha é exceção.
Conheci Silvinha atravessando a rua, ela ia tão piedosamente devagar que eu a segurei pelo braço e puxei para que um carro não a atropelasse.
Como gesto de gratidão e amizade nova ela me ofereceu um café na grande avenida da cidade. Nós fomos no carro dela, que por acaso andava a 20 km/hr.
Silvinha é feliz com a vida que leva, mas contou-me que nem sempre foi tão lerda.
Houve um tempo em que Silvinha fazia tudo rapidinho: doava sangue mais rápido que ninguém, jogava dardos mais rápido do que os olhos poderiam ver, batia os dedos na mesa de forma precisa e extremamente ágil. Pode-se dizer que Silvinha era uma mulher normal e corajosa. Não tinha medo de quase nada.
Sempre que estava afim de fazer algo ia e fazia antes que qualquer um pudesse criticar ou opinar. Aliás, ela pouco se importava com críticas.
Ela não sabe ao certo o que aconteceu.
Com o tempo ela foi se cansando e foi ficando lenta, lerda, apática quase.
Não sei se se pode dizer que ela é zen ou qualquer coisa relacionada com paz. Ela só é devagar.
Fala mole e arrastado. Não tem sotaque de lugar algum - ninguém sabe de onde ela veio.
Ela jura que está solteira até hoje, na sua casa dos 60, porque com seus 20 tornou-se assim, lenta como uma lesma.
Silvinha é mulher bonita, elegante, as fotos de antigamente mostram um corpo esbelta de mulher gostosa, cheia de curvas, morena vaidosa, então diz que sempre foi simples conseguir qualquer um.
Qualquer um pra ficar, pra levar pra cama, pra rir, pra criticar... Todos sempre aceitavam os convites dela e tudo o mais. Era sempre ela quem dava o primeiro passo.
Ela quem olhava, quem paquerava, quem convidava, quem decidia, quem primeiro beijava, quem intimidava. Silvinha era porreta. Dizia que homem fácil não servia pra ela não.
Mas um dia a coragem foi embora, quando fez 21 anos ela mudou.
Talvez fosse por se achar velha demais, ou por não acreditar que alguém jamais tivesse gostado dela de verdade, o fato é que ela nunca mais foi a mesma.
Não tinha mais coragem de paquerar, levava dias para dizer 'oi', se convidada para sair era sempre 'Vou pensar', e quando com vontade de realmente sair com um cara não tinha mais a rapidez e cara de pau de antes.
Silvinha se tornou lenta. Pensava mil vezes antes de ligar, antes de fazer, antes de ir, de se vestir, de comer, de falar... Perdeu muitos pretendentes por isso.
Dizem que o pior foi o Woody. Ele era apaixonado por ela, mas só não a convidava para sair porque ficava com vergonha por ser amigo de seu irmão mais velho. Imagina! Se ela quisesse falaria com ele, até porque todos sabiam de sua reputação de apressada e corajosa, ao menos ele achava que sim. Infelizmente.
Ela também gostava dele, adorava. Ele era perfeito - tipo meio bizarro, alto, magro, de olhar baixo, esperto, um cara realmente normal, mas estranho. Ela se encantava com caras estranhos desse tipo bizarro. E vice-e-versa, bizarro estranho.
Passaram-se anos, e nada de ninguém falar com ninguém.
Ela chegava a pegar o telefone e pensar em ligar para ele, mas só de imaginar tomar um fora do amigo do irmão desistia, seria humilhante demais!
Foi assim o resto da vida. Sempre lenta e medrosa.
Foi vivendo cada vez menos. Cada vez mais devagar.
Talvez seja lentidão mesmo, talvez seja, no fundo, um medo de receber outros 'nãos' da vida.
Seja lá o que for, Silvinha é minha amiga, mas se eu sou amiga dela, não sei não... Ela ainda está pensando e analisando...

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