domingo, 26 de setembro de 2010

Beatriz

Aqueles olhos devoram-no como se fossem parte de uma fera. Tristeza no olhar geralmente vem seguida de apatia, mas essa era diferente.
Assim era Beatriz, distinta das demais, talvez por sua história, mas não pelo seu presente. Fora diferente desde o começo, nascida em uma família boa, Beatriz descobriu logo cedo que mesmo em famílias com pessoas de bom coração os problemas coexistem. Os problemas familiares vieram, ela sobreviveu apesar de fraquejar em certos momentos confortou-se em Deus, conheceu um rapaz, conheceu sua família, fez parte da mesma. Bia seguiu sua trajetória como um cometa ascendente, tornou-se mais forte apesar da insistente tristeza no olhar, mas nada a completava, sentia faltar alguma peça, algo ali descolara dela tão precocemente que ela não era capaz de achar. Apesar de trabalhar nas obras de Deus em sua cidade, de namorar um rapaz bom, algo ali não bastava... Bia precisava de mais, estava certa quanto a isso...
Resolveu ir embora, partiu rumo ao desconhecido... Sofreu muito as dores da partida, como quem sofre ao perder o último lastro com infância, e aprendeu a conviver com saudosismo. Tornou-se dona de suas atitudes, embora não conseguisse realizar suas vontades por meio dessas.
Ao chegar no destino conheceu novas pessoas, começou nova vida, deixando a antiga para trás junto com parte de si mesma. Embora Bia fosse madura no lugar de onde viera, se descobriu fraca perante aos desafios do mundo. E na fraqueza sua amizade se criou, ao conhecer Aninha, uma pessoa maravilhosa. Rapidamente Ana se tornou a família para Bia, que agora descobria uma família sem problemas. Quão maravilhosa descoberta, agora dividiam somente a bonança, poucos momentos de tristeza vinham, e se vinham eram sussurados entre festinhas e moços bacanas. Era possível então ter família sem coexistencia de problemas, pensara se sortuda pela primeira vez...
No novo mundo conheceu um rapaz... Tudo mudou, Bia resolveu que se entregaria, que agora teria a necessidade de formar sua própria família. Apaixonou-se, namorou, aprendeu a conviver com os defeitos dele, a medida que ele se adaptava aos dela. Rapaz apaixonado, dedicado, amoroso, cuidava dela diariamente mesmo de longe, ela sentia como se algo tivesse a preenchido pela primeira vez, seria Amor?
Como nem tudo eram flores na vida de Bia, o veneno do espinho da flor mais próxima ressentiu-se pelo relacionamento alheio. Pequenas frases, comentários inocentes, histórias contadas sobre pontos de vistas, atitudes relatadas por terceiros, todo o tipo de encenação foram tecidas pela língua ferina de Aninha. Aquela amiga, boa moça, jamais se prestaria ao papel de mentir, coisa que ela dizia todos abominar. A verdade era que Aninha desde cedo aprendera a mentir e dissimular, fizera isso sua vida toda, com namoradinhos, com os pais, com as amiguinhas, e assim tornou-se mestre em sorrir e conseguir destilar um veninho ocasional. Tudo era tão novo pra Bia, que cheia de inseguranças tornou o rapaz seu mais novo saco de pancadas, descontou-lhe os anos de pesar, os desafetos familiares, os desafetos dele próprio... Fez lhe perder os culhões pelo caminho. Não fora culpa dela somente, a paixão do rapaz o cegara.
Com tantas pedras no caminho o relacionamento se findou. O rapaz seguiu seu caminho, e Bia continuo a trilhar o seu. Bia aprendeu a se misturar, a fazer parte do consenso. Com o auxilio de suas flores aprendeu a tapar os buraquinhos que persistiam através da mais pura vaidade. Encheu-se de orgulho, era bela do que mais precisaria agora? Era desejada, do que mais precisaria agora? Era boa de coração, do que mais precisaria agora?
De fato Bia tinha todas essas qualidades... Os anos, como nunca tardam, se passaram. Aninha vitimou um piá, colocou-o em sua rede de intrigas, e descolou um casamento... Já Bia, via sua beleza esvair-se, seu conteúdo tornar-se superficial pelos anos dedicados ao fútil, via o desejo nos olhos masculinos se reduzirem a poeira devido a presença de novinhas, e finalmente se viu amargar os anos de companhia dedicados a amiga. Sabia que Aninha era dissimuladora, mas mesmo assim, que mal teria em estar perto de alguém assim se ela não a agredisse? Bia foi deixada para trás! Como queria ela ter antevisto o futuro...
Bia ainda tinha fé, fora tudo que restara, depois do abandono. Não que fosse pouco, mas também não era o suficiente... Ao olhar para trás viu a cidade que abandonou, o bom moço que deixou, as oportunidades que perdeu por permanecer a sombra de outra pessoa durante a vida. Nada do que tinha feito até então satisfizera suas vontades, talvez por nunca ter sabido quais eram as mesmas... Não aprendera andar por si só, ao crescer tornou-se simbiota de outro alguém, como se fossem parte de um ser único. Toda parceria onde alguém não tem personalidade definida torna-se destrutiva aquele mais fraco. Assim foi com ela até o fim dos dias, aprendeu a se contentar com sombras, não por não poder brilhar a luz do sol, mas sim pelo medo de se queimar ao sair sem protetor.
Acho que foi isso que fez os olhinhos tristes dela se tornarem menos apáticos e mais devoradores... Era a necessidade de absorver alguém para ser...

Um comentário:

  1. Duu, adorei o texto!! Quem não conhece pessoas assim né?! Ainda bem que a gente vai ficando vacinado com o tempo!!

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