quarta-feira, 18 de setembro de 2013

Pesar

Apesar das dores, eu te abraçava.
Apesar das traições, eu te perdoava.
Apesar das brigas, eu te implorava.
Apesar das mágoas, eu insistia.
Apesar das feridas, eu me cicatrizava.
Apesar dos buracos, eu me vencia.
Apesar dos defeitos, eu me superava.
Apesar dos gritos, eu não revidava.
Apesar dos erros, eu continuava.
Apesar da violência, eu te desejava.
Meu Deus!
Apesar de mim, eu te amava...
...te adorava...
...te queria...

Amigo

Tomo a liberdade de fazer uma homenagem ao meu querido amigo:
como sempre, meu amigo, teus textos são tocantes.
Quanto ao da luz, fico sem palavras. Presenciar a recuperação da esperança é algo belíssimo, e confesso que às vezes ainda sinto vontade de medicina só pelos contos que você me conta, pela humanidade que te banha, feito luz, que é tua!
A vida é complicada, e fico muito feliz em ver que a cada dia que passa você se torna mais humano, mais homem (não no sentido masculino), mas em ser.
Teu ser se reflete nessas histórias, nada disso seria possível sem você.
Seja sempre grato por pegar os piores casos, são esses, essas dores que nos fazem crescer, e, meu amigo, como você tem crescido!
Me surpreende ver como tua escrita melhora, mas acima disso, como teu carácter se desenvolveu dentro de um turbilhão de mágoas.
A vida não é fácil, sempre dissemos isso um para o outro, mas continuamos aqui, num presente jamais imaginado - ainda que sonhado, como você exercer a medicina.
Nunca imaginamos lidar com as coisas que temos lidado, e isso é bom, é bom quando a vida toma rumos inesperados, isso nos mostra que realmente não temos controle de nada, absolutamente nada, nem mesmo de nossas almas, de nossas dores, amores... Mas mostra também que podemos decidir o que fazer com tudo isso, com essa tormenta que nos assola e nos deixa à deriva.
A tempestade que vem tem a cor dos seus olhos - castanhos.
E que belo é ver que perdemos o medo da chuva.
Que maravilhoso é acompanhar o crescimento de outro ser humano, isso me toca. Isso realmente me faz feliz, poder observar e vivenciar as grandes aventuras cotidianas de nossas histórias, tão pequenas e desimportantes para o mundo, mas tão modificadoras em nossas realidade só.
Somos eventos constantes de lutas, nada muda isso. Lutar. Respiramos luta, não só sociais, mas realmente humanitárias, seja consigo mesmo seja com o mundo.
Imprevistos acontecem, temores aparecem e do nada nos vemos sozinhos, sem ninguém mais com quem compartilhar uma punhalada que a vida nos deu nas costas.
E ai descobrimos um novo amigo, aquele que sempre esteve lá, mas que com o tempo se tornou ainda mais próximo, ainda mais amigo, no real sentido da palavra, aquele que vem do amor.
E nos amamos nas dores, porque no fundo são elas que nos mantêm de pé e que nos mantêm unidos, ainda que cercados de poucos, ainda que muitas vezes incompreendido. É a dor que nos agracia com a bondade de vermos que no fundo todo mundo só quer ser feliz. E que podemos ser felizes, seja com meninas, com meninos, com bichos, com amigos, com nós mesmos, principalmente.
Aprendemos a relevar e lembrar que é o leve que tece o destino, a leveza de quem não tem medo de errar, de assumir erros, de perdoar, de falar, sempre com sinceridade.
Descobrimos na vida que algumas coisas nos decepcionam e sempre irão nos decepcionar, mas aprendemos a ver os milagres também, milagres esses tão benditos, de reencontrar um amigo e não ser mais o velho amigo, ser mais do que isso, ser luz e finalmente podermos nos enxergar.

quinta-feira, 15 de agosto de 2013

Chuva

Desperto para ti, permaneço anestesiado para mim.
Meus olhos buscam teus olhos refratados, não consigo vê-los.
Algo aqui nasceu... Parido sem nome, sem tempo, sem face.
Seria mais fácil deixá-lo atrofiar sob o pretexto da modernidade, afinal relacionamentos são tão antiquados.
Não consigo, nem sob protesto da mente que implora por continua redução de danos.
Sinto parte do seu toque suave no rosto, faz dias, mas ainda está aqui. 
Fecho os olhos buscando refúgio, só acho sentimento.
Arrancou me a planície de uma forma tão suave que nem me importo por estar beirando o penhasco, exceto nas noites frias em que o meu pensamento acorda para você e para o medo.
Não há retorno, abandonei os tempos de calmaria.
Depois de muita aridez consciente, escolho a chuva...
E se a tempestade for você, seja ela bem vinda para ficar.

terça-feira, 13 de agosto de 2013

Luz

Quando decidi ser médico abracei com todas as minhas forças o desejo de lidar diariamente com a dor da perda e o sofrimento.
Após 6 anos resolvi me inserir em uma das poucas áreas dentro da medicina que não trata da morte, mas lida com perda de uma forma única, a perda da função.
Ao lidar com a visão de muitas pessoas é impossível deixar de absorver os diversos conceitos que a mesma tem para cada um e os diversos aspectos emocionais que perda dessa função tange.

- Quer que eu tire o curativo?
- Pode tirar, doutor.
- Quantos dedos tem na minha mão?
- Não vejo. Enxergo Luz...
Então as lagrimas começaram brotar através daqueles olhos ainda avermelhados pela agressão necessária sofrida na mesa de cirurgia...
Mudo rapidamente o tom de voz, e começo um discurso épico sobre como é possível se adaptar a uma existência sem o sentido da visão. Sou interrompido:
- Eu enxergo Luz, doutor.
- Eu sei, tá enxergando só claridade, nós também gostaríamos que o resultado fosse diferente, e o senhor enxergasse mais.
E no meio de todo soluço choroso, consigo decifrar uma frase:
- Achei que fosse embora desse mundo sem nunca mais ver Luz. Vai dar certo dessa vez...
Engoli todas as palavras consoladoras, e foi então que as lágrimas brotaram novamente, dessa vez dos meus olhos. 
Já vi algumas pessoas recuperarem a visão, mas hoje fui agraciado com uma cena mais linda, presenciei a recuperação da esperança...


domingo, 7 de abril de 2013

Minha parte

- Entra Sr. Joel, sente-se naquela cadeira ali, por favor.
- Sim senhor, doutor.
Então, após de reparar no aspecto óbvio de andarilho do paciente cheguei a conclusão que estava me deparando um caso de Herpes Zoster Facial.
Orientei o Sr. Joel, prescrevi as medicações, e ensinei como usá-las.
Ele me interrompe suavemente com ar de tristeza:
- Eu não posso comprar...
E eu com a minha ingenuidade de CRM novo, oriento o mesmo a procurar a assistente social do hospital para que ele consiga as medicações devido a sua questão social. 
Sai Sr. Joel da sala, entra um, entra outro, outro atestado, outra bobagem, outro me enganando, e assim corre o plantão.
Até que o telefone toca, e ouço a voz do outro lado esbravejar:
- Eduardo, você quem mandou o mendigo aqui na minha sala?
- Sim, mandei o Sr. Joel, porque ele precisa das medicações.
- Eu não posso fazer nada, estamos sem verba, e mesmo se estivéssemos com verba sobrando não compensaria, pois ele não vai fazer o uso das medicações.
Nessa hora eu paralisei por completo, estava absorto ouvindo de uma assistente social que não compensaria ajudar um paciente.
Me retirei das minha funções de atendimento, e fui até a sala da conhecida assistente social do hospital.
- Boa tarde, Dona Glória, preciso conversar com você sobre o caso do Sr. Joel
Sou então cortado por aquela senhora, que diz rispidamente:
- Não dá para conseguir remédio para um paciente como esse.
Por um instinto de humanidade, de criação, de amor ao próximo, de justiça, fui movido a fechar a porta da sala, e falar algumas verdades para Dona Glória.
- É o seguinte eu posso ser um menino perto da experiencia da senhora, mas se tem uma coisa que eu aprendi com a vida, com a minha graduação, com os meus pais, é a fazer a minha parte Dona Glória. Eu atendo a quem necessitar da minha ajuda, e não importa se a pessoa seguirá o tratamento proposto, ou se ela é pobre ou rica, ou ainda se ela levará realmente o tratamento a sério. As lesões na face do Sr. Joel podem progredir levando o mesmo a sepse em poucos dias caso não haja tratamento.
Nessa hora eu vi Dona Glória corar-se fortemente de vermelho, creio ser raiva, ou vergonha por ter agido de tanta má fé nesse caso.
Completei:
- Assim como eu fiz a minha parte de atender o paciente e prescrevê-lo, acredito que a senhora deva fazer a sua e conseguir as medicações para o paciente.
Sai da sala sentindo uma tristeza tão grande por ver como as pessoas ainda julgam a saúde caso a caso, fazendo distinção do pobre e do rico, mesmo na hora da doença.
Voltei as minhas funções pois naquele momento haviam mais fichas de atendimento.
E após o relógio bater 19hs, fui saindo da sala para dar lugar ao outro colega. 
Encontrei Sr. Joel sentado ao pé da escada do andar, me esperando:
- Dr. Eduardo, muito obrigado por ter ido conversar lá, a mulher conseguiu meus remédios.
Eu após alguns segundos de tão perplexo com aquele agradecimento:
- Por nada, Sr. Joel, estava fazendo apenas minha parte. Vejo o senhor no retorno em 5 dias.
- Tudo bem, Dr. Eduardo. 
Ao entrar no carro, eu me dei conta que aquela foi o único agradecimento que eu tive naquele dia por parte dos pacientes, e isso me deu uma sensação de felicidade imensa e uma certeza maior ainda de ter feito a coisa certa.
Após 5 dias volta Sr. Joel, com suas lesões na face totalmente cicatrizadas, com aspecto muito melhor, roupas limpas, calçado novo no pé, e banho tomado. Então pergunto:
- o Sr. está se cuidando melhor, hein?
- Decidi ir para um abrigo Dr, precisava me cuidar já que ganhei os remédios...
E assim eu aprendi que não há nada melhor do que fazer a minha parte, pois tratar alguém com dignidade talvez dê a essa pessoa alguma chance de aprender a se tratar com dignidade.


terça-feira, 29 de janeiro de 2013

Jura

Eu queria mudar o mundo...
Nunca desejei tanto mudá-lo como nos últimos 6 anos. Cada choro, cada perda, cada palavra agonizante me faziam ter certeza de que a mudança chegaria partindo das minhas mãos.
Talvez seja a onipotência inerente da profissão, talvez seja a ingenuidade pela pouca idade, mas eu realmente achei que seria a mudança.
É bobo pensar assim, admito.
Por fim você aprende a ceder e desbarrancar com as ondas do caminho.
O  antibiótico prescrito somente por exigência da mãe, o atestado para faltar no trabalho por sem vergonhice, as consultas de 2 minutos para acabar com a imensa fila de espera...
Não que seja minha culpa, nem que seja um problema que só eu enfrento. Mas eu realmente achei que seria diferente.
Então eu juro que eu nunca mais voltarei ali, que será a última vez, que eu vou mudar para praia e trabalhar num postinho de saúde, atender várias senhorinhas com dores de cabeça, crianças com rinite, e gestantes em pré natal...
No último minuto chega ele, não respira, não esboça. Vai aqui, passa o tubo, massageia, pega veia, vai indo.
Até que ele respira.
E ai eu juro... Eu juro que vou mudar o mundo... E volto amanhã...