quinta-feira, 26 de maio de 2011

Salvação

As mãos morenas e ressecadas contam com felicidade as pedras assentadas pela estrada...
Ah, aquela estrada ingrata chamada vida! Sempre a maltratou como se não houvesse amanhã, não bastava sofrer um pouquinho mais hoje, tudo era sempre muito mais.
Sessenta e oito anos vividos. Mas quanta doçura a vida amarga lhe dera? O sorriso envergonhado da falta da prótese, os olhos imersos em bondade, as palavras sábias, e a calma perante a dor insuportável. Manteve-se fiel aquilo que nem em teoria soubera o que viria a ser. Nunca conheceu a bondade.
Algumas vezes lhe faltavam até mesmo as palavras... O que nada tinha relação com pobreza de espírito, faltava lhe simplesmente o que falar ao mundo.
"Tá bom", "Bem". Faltava-lhe coragem até mesmo para admitir a própria dor física, sempre bem, mesmo tendo a certeza do contrário. Quanto aquele outro tipo de dor, o que faz chorar a alma, sei que estava presente, apesar de nunca ter percebido manifestação alguma de lágrimas ao relembrar o passado. Lugar de tristeza é no banheiro, ouvi-a dizer baixinho um dia ao contar dos desgostos da vida.
Hoje ela iria embora. Salvação aqueles jovens doutores lhe deram...
Onde estaria a salvação em um instante sem explicação? Foi-se ela, sem previsão. Diferente do que imaginávamos, diferente do pretendido...
Mas é claro que lugar de tristeza é no banheiro, 10 minutos de choro me renderam mais uma lição amor ao próximo.
Já a vida lhe rendeu a salvação. Era hora de partir...




As almas mais lindas que vi até hoje são as que foram submetidas as maiores privações físicas ou psicológicas...

sexta-feira, 20 de maio de 2011

Dores e Resiliência

Eu sempre falo sobre os males dos outros, suas dores, pessoas cicatrizadas, pessoas feridas, abertas ou fechadas feito ostras que choram suas lágrimas para dentro.
Por mais que eu tenha conhecido seres tão machucados, a resiliência é sempre o que me surpreende. Surpreende ela em mim e nos outros, essa nossa capacidade, em alguns, inata ou desenvolvida de vencer, de superar, de se cortar em obstáculos, porém jamais abrir mão da vida. É realmente impressionante!
Esses dias conheci outra alma extremamente machucada, suas feridas são imensamente incontáveis e indescritíveis, tão indescritíveis que não poderei citar nada aqui.
O complicado é ver e tentar compreender como alguém com tamanhos buracos no espírito consegue se manter de pé após tantos anos, como consegue superar períodos de quase morte (literalmente), de solidão, de afastamento, de corrompimento, de abstração.
Superar deveria ser do ser humano, porém algumas pessoas não têm essa capacidade, permanecem imóveis, num contentamento descontente de si mesmas, da vida que levam, do futuro que chegou, do não reconhecimento merecido, da falta de família, da falta em geral. Essas que continuam de pé feito plantas, vegetando uma semi-vida, uma vontade partida de se tornar algo melhor para uma sociedade que dificilmente irá reconhecer alguma coisa disso. Parafraseando Raul Seixas: são pedras que choram sozinhas no mesmo lugar.
Essa pessoa que eu conheci não é uma planta nem pedra, é gente – é humana – é real – é vívida.
Sua história é de dar inveja até em mim, que sempre me considerei cheia delas, e suas mudanças, superações são ainda mais incríveis.
O que faz alguém crescer independente do que aconteça?
Força de vontade? Autoestima? Fé? Autoconfiança? Eu não sei, mas poderia ser resumido na palavra resiliência ou sinônimo disto.
Vencer e continuar batalhando não é para qualquer um.
Ainda não se sabe muito sobre essa tal Resiliência, semanticamente expressada como sendo a “Capacidade de se recobrar facilmente ou se adaptar à má sorte ou às mudanças”, mas eu poderia inventar um novo conceito baseado no que já vi. Para mim isto não é nada mais do que capacidade de encantamento.
Encantamento com o mundo, apesar dos males; encantamento com a vida, apesar de tanta gente ruim; encantamento com Deus, apesar de muitos O deturparem; encantamento consigo, apesar de todos os erros que já tenha cometido.
Conseguir fazer emergir uma visão absolutamente mágica sobre tudo o que nos cerca, uma imagem quase poética de todos os acontecimentos. É exatamente isto o que motiva e eleva o espírito a momentos melhores. Capacidade de ser aquilo que se quer e conseguir aquilo que se almeja, isso para mim é tudo em uma pessoa.
Alguns dizem que certas histórias podem ser más companhias, mas eu tenho certeza de que não são, porque essas pessoas são aquelas que nos ensinam o outro lado da vida, são seres bons que apesar de todas as mortes têm a habilidade mais incrível do mundo: saber viver.

Ciúmes x Amor

Algumas pessoas defendem o ciúmes, dizem que é para apimentar a relação, que pouco não faz mal, que é até um afrodisíaco, afinal, onde já se viu não ter ciúmes?
Quem ama tem ciúmes! Afirmam categoricamente.
Isso é a maior besteira.
Por favor, pessoas lindas, parem com esta ideia de que amor tem algo com ciúmes.
Ciúmes é falta de segurança, é a baixa autoestima que nos trai – você é realmente um corno por deixá-lo fazer isso com seus sentimentos, porque ele é traiçoeiro, egoísta e infiel, já que trai o próprio dono.
O ciúmes não tempera, faz aumentar o sabor de tua intolerância, preconceitos, imaginação fértil (porque têm muita gente que só imagina coisas, passa o dia fantasiando), ele é pimenta que arde nos olhos e no coração próprio de maneira exagerada, mesmo quando se tem pouco.
Ter desconfiança é sempre mal negócio, isso não é sinônimo de amor, isto é falta de amor próprio, falta de autoconfiança e de confiança no parceiro. O ciúme tem caso com o passado do outro e com o futuro, e quem passa a trair é você porque não pára de pensar na secretária gostosa que ele tem, na amiga divertida, no amigo cavalheiro, no chefe gente boa.
O amor não tem nada com isso, libertem o amor, por favor!
Ter ciúmes é como pedir um prato no restaurante e ficar procurando o fio de cabelo que caiu, sendo que quando encontra é da sua própria cabeleira - de tanto ficar debruçado sobre o prato coçando a cabeça de preocupação ao buscar algo.
É uma pequena semente, como as de mostarda, que são capazes de fazer brotar árvores gigantes.
Não se iluda, ter ciúmes só faz mal para si mesmo.
Ciúmes não é poção mágica, é veneno injetado direto na veia.
No começo dá barato... Mas o preço que se paga é alto.
É realmente como qualquer droga – no final das contas só trai e mata o próprio viciado.