terça-feira, 29 de março de 2011

Bruna Surfistinha

Acabo de assistir ao filme de Bruna Surfistinha.
Assisti ao filme porque creio que eu jamais leria o livro; sim, eu tenho preconceitos.
Preconceitos obviamente pré concebidos pelo conteúdo de que se trata e sua autora, assim como pelos conceitos posteriores das pessoas que o leram.
O fato é que de alguma forma eu me identifiquei.
Não porque eu queira ter a vida que ela teve – eu não tenho esta ilusão. Ela deu sorte!
O que me tocou é que por mais que as pessoas sejam hipócritas umas frente às outras, quem nunca quis fugir?
Ela fugiu, ela saiu e foi fazer seu caminho. Deixando de lado o fato de ter ido para ser prostituta – ninguém deveria julgar isto -, ela fez algo que todos já quisemos fazer.
Que atire a primeira pedra quem nunca chorou de madrugada pensando em deixar a sua casa, quem nunca imaginou como seria sua família sem a sua presença, quem nunca teve vontade de só sair, fugir, correr, se esconder, nem que fosse somente por um dia.
Quem nunca se cansou?
Quem nunca se esforçou da maneira errada? E há maneira errada de se viver?
Todos temos nossos limites, não posso julgar o dela, muito menos chamá-la de mimada.
Eu tenho uma amiga que fazia entregas de comida a pessoas necessitadas e certa vez ela me contou que conversando com essas almas supostamente abandonadas na verdade quem havia sido abandonado era a família delas...
Muitas pessoas que estavam lá, debaixo de pontes, nas ruas, marginalizadas não estavam porque alguém as deixou para trás, em verdade, em seus pontos de vista, foram elas quem seguiram em frente.
Almas que foram viver sozinhas, viver libertas por não pertencerem àquele grupo. A nenhum grupo.
Eu já pensei muitas vezes em largar tudo.
O que a Bruna, ou Raquel, fez foi só ter tido a coragem.
E afinal é pior fugir ou ficar?
Dizem que correr nunca é a solução, que devemos ficar e encarar os problemas.
E podemos culpar aqueles que não foram feitos para isso por isto?
Por que ela ter saído de casa seria fugir?
Há dois pontos de vista, um diria que ela fugiu, fez o mais fácil, se distanciou do problema.
Outro diria que, muito pelo contrário, ela encarou. Saiu de sua vida falsa, de família fingida, e encarou o mundo, deu a cara à tapa, se arriscou.
Assim como nas cenas dela soltando o cigarro do alto e observando sua queda, ela também pulou. Saiu de sua zona de conforto, mergulhou no abismo que é este mundo.
Talvez não, quem sabe ela fez o que muitas fazem por pura preguiça de sair de casa com honestidade, sem precisar roubar, por exemplo.
Eu não sei, e não estou aqui para julgar...
Mas se me perguntarem agora o que acho dela, devo admitir que tenho forte tendência em dizer que no final ela foi verdadeira consigo, coisa que poucos hoje em dia sabem ser.

segunda-feira, 28 de março de 2011

Hiato

- Oi, Pim.
- Japinha, que susto! O que vc tá fazendo aqui?
- Detesto quando você me chama de japinha, minha mãe é brasileira, e eu nem tenho cara de japa! E além disso detesto os japas da família do meu pai...
- Eu sei, por isso mesmo eu chamo...
- Então, respondendo a sua pergunta, eu to coletando dados pra fechar minha pesquisa, por isso vim parar aqui nesse fim de mundo.
- Bom, pelo menos você tá aqui por opção, e eu que fico aqui por dois longos meses... Mas sua pesquisa não era pra sair só ano que vem?
- É só pro ano que vem, mas preciso coletar todos os dados ainda hoje porque não volto mais aqui...
- Nossa, tudo bem que é longe onde a gente tá, mas não precisa exagerar.
- Não, Pim. Eu to indo viajar, saiu a bolsa do intercâmbio, e a CCInt me aprovou na seleção.
- Como assim? E me contou agora só?
- Pim, não tinha porque te contar né? Você sabe bem do que eu to falando...
- Ok, mas não precisava ficar sabendo assim. Deixasse um depoimentos, e-mail, sei lá.
- Pim, a sua namoradinha não iria gostar, você sabe bem disso.
- Pode para! Sem essa, ela respeita a nossa amizade, e sabe de tudo que aconteceu. Mas quando tá indo?
- Quarta.
- Porra, tá me zuando né?
- Não fala assim, eu não gosto quando você fica assim...
- Eu nem sei o que falar, mas sei lá... Sei lá nada, de verdade queria que você tivesse me avisado...
- Desculpa, sério mesmo, eu achei que seria melhor de outro jeito. Então, eu queria te pedir uma coisa, antes de ir.
- Já que não tem jeito, pede...
- Eu queria ver o Dell, to morrendo de saudades dele!
- Isso é fácil, eu levo ele na sua casa hoje. Pode ser?
- Pode...
- Eu tenho que ir atendender, tá embarracado aqui hoje.
- Eu sei, to vendo... Pim, eu queria que tivesse sido diferente, mas você sabe que eu preciso disso depois de tudo que aconteceu, e que eu sempre estive aqui...
- Sei... Eu te entendo, mas queria você por perto pra sempre. Você sabe a importância que teve pra eu me tornar quem eu sou hoje, além disso eu me sinto seguro sabendo que você está a duas quadras de distancia, apesar dos pesares... Mas é egoísmo meu, né?
- Você mesmo sabe que é! A Espanha é um lugar totalmente comunicável, vc me liga!
- Ligo... sempre. Só antes de ir, queria te falar que você é a melhor pessoa que eu já conheci até hoje, e eu amo e me orgulho demais da pessoa eu vejo na minha frente...
- Eu tenho medo quando você fala assim, parece que o tempo é só um hiato entre agora e um final feliz... Tchau, Pim...
- Tchau...

sábado, 19 de março de 2011

Terceira Turma, segunda rodada.

No final somos nós contra nós mesmos.
Os dias vão passando, pessoas novas vão chegando e fui me dando conta de que cada um tem sua história, seus medos, saudades, dores, dificuldades.
Quase ninguém sabe o que está fazendo ali, muitos nem mesmo têm dinheiro para se manter – ainda que sendo uma faculdade pública.
Com as conversas que aos poucos vão se formando e integrando todos, pude observar que realmente cada um é lindo da sua forma, à sua maneira.
Os papos sobre saudades de casa de lá, sobre falta de casa aqui, sobre os medos de não se formar, não gostar, não conseguir emprego...
No final das contas, cada um cresce de um jeito, não tem como segurar, evitar, permanecer num estado de conforto.
E por mais difícil que possa parecer, eles persistem – ao menos por enquanto. Se perdem pela cidade, pegam o ônibus errado, chegam atrasados, não sabem voltar para casa, não entendem a matéria; é uma delícia pensar que sou uma deles.
Porque eu também sofri, mesmo tendo condições de pagar tudo o que já gastei, a vida me fez crescer antes, e hoje eu vejo as circunstâncias forçarem aqueles pequenos jovens a também se tornarem responsáveis, independentes, guerreiros.
Eu tive oportunidades que muitos ali não tiveram, e talvez nem nunca tenham, e pela primeira vez eu consigo ver que isso não faz de mim mais velha ou mais conhecedora, nem menor ou melhor, maior ou pior, só igual na medida em que cada um acaba vivendo o que veio à Terra para viver, e cada um se fortalece da forma como necessita naquele momento.
Pela primeira vez não estou formando ideias, nem julgando, eu quero mesmo é me jogar, viver, sentir o vento no rosto e novamente sorrir ao encontrar pessoas que talvez nem venham a ser meus amigos (daqueles que você pode contar para toda hora), mas colegas queridos que fazem parte da mesma luta, mesma guerra, mesma turma.
A vida não é fácil, e meu erro sempre foi achar que era difícil somente para mim; as poucas pessoas que passaram por dificuldades como as minhas se tornaram minhas amigas. Sempre achei que aquele povo com qual eu estudei talvez nunca venha a saber (alguns!) o que realmente é sofrer na vida.
Todo mundo me disse que eu encontraria a minha ‘tribo’, os ‘estranhos’ como eu. Mas aqui eu não encontrei a minha turma por eles serem tão diferentes como eu sou, muito pelo contrário, eles são extremamente normais até onde vi, mas me alegrei por serem pessoas que realmente estão aqui para batalhar, sozinhas, com suas feridas abertas, já quase chorando no primeiro dia. Se emocionando ao falar de casa, dividindo a dificuldade que é sair de sua cidade sem dinheiro, sem emprego, sem nada. Somente consigo.
Isto é realmente difícil. E eu admiro a coragem delas, pois creio que eu mesma não teria essa força.
Porque no final somos nós contra nós mesmos, ultrapassando as barreiras que criamos desde pequenos, pulando por cima do preconceito contra si e se desesperando por não ter condições de pertencer a este lugar, talvez.
Cada um com sua história, sua vida, seu testemunho e seu ponto de vista.
Não é nada do que eu pensei, ninguém escreve, nem ama escrever, e lingüística pouco fala sobre a língua em si, mas sobre a linguagem.
É uma ciência, e trabalha mais a fala do que a escrita, por exemplo.
Eu cai do cavalo, e isso é mais do que bom. É maravilhoso.
É, às vezes a gente ganha esses presentes da vida.
Ali quase todos vão começar a lutar (ou continuar lutando, quem sabe), mas que eu me faça as pazes e ajude da melhor forma aqueles naquilo que eu aprendi (um pouco): vencer a si mesmo e se conquistar.
Eu cheguei até aqui lutando comigo mesma e tudo o que espero é poder sair abraçada com meu Eu.

quarta-feira, 9 de março de 2011

Quem não aprende pelo amor...

Se tem algo que eu aprendi na vida é que na esmagadora maioria das vezes meus pais estão certos ao opinarem sobre o que eu tenho de fazer, ou não. Embora, isso de maneira alguma configure a totalidade das minhas atitudes, tento pautá-las a medida que ouço o que os anos de experiência e o amor deles tem a me dizer.
É claro que aprendi isso com o tempo, aos 15 se meu pai dissesse para ir as aulas de inglês eu provavelmente dormiria a tarde toda no sofá. Era como se qualquer palavra dita virasse um letreiro luminoso com o oposto na minha cabeça, e não adiantava explicações ou ainda discussões homéricas sobre o assunto, eu sempre queria fazer o contrário.
Minha teimosia me rendeu alguns tropeções, e o mais incrível era o pensamento que me acompanhava em casa um deles. Aquele pensamento chato, do tipo que ecoa na cabeça, irritante, e que termina sempre com aquela frase "eles me avisaram". Pois é, a experiência é capaz de trazer a possibilidade antever algumas coisas, e quando alguém realmente se importa com o outro deve-se falar o que está por vir. Amar alguém também dá a inconveniente tarefa de alertar e zelar pelos passos a serem dados.
Algumas pessoas nunca estiveram no lugar de quem zela, por não amarem, ou por não se importarem com alguém a ponto de se indispor ao falar o contrário daquilo que o outro espera escutar. É com essas pessoas que talvez viva a maior incapacidade de ouvir e assimilar o que é dito. A cada palavra o ego de quem ouve sente-se agulhado, faz um estrago tão grande, que azeda a relação, deteriora o amor, transforma a amizade em agressão. Não se entende que ao aconselhar espera-se o bem, e que apontar a possibilidade de errar é muito mais nobre que apontar os erros.
E foi assim que eu aprendi. Ao lembrar dos meus pais apontando o futuro, eu sempre me perguntava se algum dia eles iriam apontar para mim quando eu estivesse machucado por não ter escutado. Esperei esse julgamento da parte deles durante muito tempo, mas ele nunca chegou. E, ao olhar para trás percebi que o meu sofrimento fora punição suficiente pelos meus atos, não havia necessidade de sofrimento adicional.
A vida é engraçada, inúmeras vezes gozei do meu pai enquanto ele me dizia certas coisas, hoje tomo emprestada uma frase que ele vive a repetir: "Quem não aprende pelo amor, aprende pela dor."