quinta-feira, 7 de outubro de 2010

Seu Zé e o Coração.

Seu Zé era o paciente mais atípico daquele CTI, fosse por sua história ou por sua condição física...
Ao entrar no ambiente via-se um homem de seus mais de 70 anos, entretanto com um vigor físico incomum, braços ainda fortes devido a lida diária com  a lavoura, boa forma física resultante de alimentação a moda antiga e dos incansáveis dias de trabalho pesado sob o sol. Contudo, o mais impressionante em Seu Zé era a história de sua moléstia...
Aquele homem nascido no sítio, e que por lá se criou, foi uma criança feliz, aos 16 anos conheceu sua esposa. Dona Maria era uma mulher linda segundo suas palavras, ele se apaixonou prontamente, e como era de costume na época logo casaram-se e começaram a construir a vidinha a dois. Ele sempre fora apaixonado por ela, os anos passados ao lado de sua amada não mudaram isso, pelo contrário diz ele que os anos foram extremamente benéficos para o seu relacionamento, aprenderam a lidar melhor com os defeitos um do outro, e se tornaram mais companheiros que nunca. Para Seu Zé a vida aos 60 anos era perfeita, e não aos 20...
Como já é sabido algumas coisas não podemos protelar, e assim foi com os dois. Há uma semana foram obrigados a se separarem, Dona Maria fora chamada para regressar junto ao Pai, como diz Seu Zé. E lá se foi ela, deixando-o sozinho no mundo depois de 50 anos de comunhão...
Todos se espantaram com a reação daquele velho homem ao perder sua amada. Derramou lágrimas contidas, deu o ombro aos filhos e netos, segurou-se da forma que podia para assistir a partida... Sobreviveu aquela perda...
Há dois dias Seu Zé ao se levantar, sem a companheira do outro lado da cama, sentiu uma forte dor no peito. Conta ele que caiu no chão de dor, e assim permaneceu até ser achado pelos seus filhos... Todos entraram em pânico, pois naquela idade Seu Zé só poderia estar infartando! Correram levar seu Zé no postinho, onde o médico mais que prontamente suspeitou do óbvio e mandou-o para o hospital. Foi aquela correria, uma filha fazia a mala do pobre homem, outra preparava comida, outra lembrava de pegar a foto de cabeceira de Dona Maria, e assim foram em mutirão ao hospital... Ao chegar a equipe atendeu-o, e prontamente levaram-no para fazer exames para avaliar as artérias "entupidas" do coração. A surpresa foi geral com o resultado do exame, Seu Zé tinha as artérias do coração saudáveis como as de um moço, sem nenhum "entupimento" que levasse a um infarto...
Após os cuidados para dor e para prevenir eventuais complicações, a curiosidade sobre o caso de Seu Zé espalhou-se, e lá foi aquele velho professor conversar com o ancião. Depois de 15 minutos de conversa a notícia chegou, Seu Zé não tinha de fato infartado, mas tinha Síndrome Do Coração Partido, acredite, pois existe! Realmente, ele teve seu coração partido na última semana, e foi suficiente pra que ele sentisse fisicamente essa quebra... A dor no peito, a boca seca, o desmaio, foi tudo real mas não gerado por algo orgânico em si, e sim pela dor emocional.
Talvez devido ao pequeno vocabulário de cunho emocional, e os anos de criação rígida não foi capaz de colocar de maneira apropriada sua dor de perda, o que o fez de certa forma manifestá-la através de sintomas diferentes do esperado. Enfrentar e exteriorizar o próprio sofrimento muitas vezes é tão doloroso que achamos vantajoso guardá-lo, ou tentar esquecer... Agora deitado naquela cama de hospital Seu Zé podia chorar sem peso algum na consciência, pois afinal ele aprendera que aquela dor no peito só iria embora de mão dada com a dor do sentimento. Era melhor chorar...

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