sexta-feira, 29 de outubro de 2010

Nuvens

O tempo vai passando, e o que fica?

O que levamos embora?

O que carregamos conosco?

Mágoas, mortes, angústias, brigas, traumas, rancor, ou tudo ao contrário...

Risos, brincadeiras, risadas, besteiras faladas, olhares trocados, palavras silenciadas em horas de aperto, abraços de compreensão, beijos, “te amo’s”...

O passado, ah, o passado!

Que pretensioso ser este que nos pega e nos carrega sempre de volta a um tempo que nem lembramos mais.

Saudade... Palavra que talvez nos leve direto ao vivenciado.

Antes ter vivido. Mas e a saudade do que vai? Do que não se teve?

A mãe que faleceu, o pai doente, o irmão que bateu o carro, o amigo que se fez ausente.

Pessoas que encontramos pela vida, as almas que nos tocam e se vão antes da hora, ou talvez na hora exata.

Nunca saberemos, sempre nos culparemos ou arranjaremos meios de fuga para conseguir culpar o outro. Talvez.

Talvez nos cobremos demais – casa, filhos, família, marido, mulher, trabalho, estudos.

Qual a dose de cada coisa?

Qual a dose certa de cada pessoa?

As almas vêm e vão, como nuvens que passam nos trazendo sombra em um dia de sol.

Ou tempestade, derrubando tudo.

A verdade é que o que quer que aconteça é o que permitimos acontecer.

Esquecer ou levar embora junto na lembrança é uma opção que fazemos.

E como escolher as coisas certas?

As dores que nos farão crescer? Os amores que nos farão melhor? O caminho que nos levará ao fim escolhido? As alegrias que serão cuidadoras de nossa felicidade?

O que será realmente bom para nosso ser?

Talvez demoremos muito para perceber que certas dores devem passar e que devemos deixar que passem.

Talvez demoremos muito para notar que o outro não é de real cumplicidade.

Talvez demoremos muito para crescer sem precisar de nenhuma muleta para nos sustentar.

Talvez doa mais que o necessário.

Talvez seja a medida exata para a nossa plenitude.

A vida não é fácil. E quem disser que o é, mente.

Não precisamos carregar fardos, mas a verdade é que precisamos deles para conseguir seguir em frente.

Cada um tem a sua versão do presente. Cada um tem a sua própria consciência, inconsciência, subconsciência...

Todos nós somos só crianças.

Crianças a sós com a solidão enfiada no peito, feito lança.

O grande milagre sobre o que nos cerca é isso, ter isso tudo para enfrentar e ainda sim conseguir sair de si para se doar ao próximo.

Quando conseguem...

Alguns estão nesta vida para se fechar, outros para se abrir.

Ou os dois ao mesmo tempo, em épocas diferentes.

Ninguém é culpado, ninguém é diferente.

Difícil é saber como conseguir, como se distanciar do que é prejudicial sem tornar-se indiferente.

Saudade do que já se tem por saber que um dia irá embora.

É cruel se torturar, julgar a si com o peso de uma mão que jamais afaga.

Creio que muitas vezes temos saudades por não termos tantas coisas boas hoje para nos completar como antigamente.

Talvez eu esteja equivocada.

Só sei que sinto saudade desde já, porque amo meu momento presente. E amando sei que passará, como toda fase, como toda água deve correr somente uma única vez por sob uma ponte, jamais a mesma gota no mesmo rio...

Não derramarei duas lágrimas pelo mesmo motivo.

Todas serão sempre dores diferentes.

E meus sorrisos sempre brilharão uma alegria recém apresentada.

Meus amigos serão conhecidos novamente a cada dia.

E minha família será uma descoberta enquanto eu for capaz de me descobrir.

E que nos descubramos, porque des-cobrir é retirar toda a capa que nos faz vertermos para dentro de nós mesmo e sermos então capazes de nos mostrar, com todas as nossas rugas, falhas, amassos, julgamentos, máscaras.

Sem medo.

Sem enfrentamento.

Sem discussão.

Ainda assim, com todos os pesos, as cruzes, os amores, as dores, as felicidades, as alegrias, a momentaneidade, ainda assim, saímos de nós para descobrir o novo.

Um amigo mais velho, outro mais novo, um irmão com quem não falamos há anos, uma nova visão de alguém em um túmulo de quem só recordamos alguns poucos minutos – ou uma vida inteira juntos.

Não importa qual a situação, a verdade é que o presente sempre muda e com isso mudamos também.

Uma hora culpamos, na outra perdoamos, em uma amamos, na outra não sentimos mais nada.

Eu só queria mesmo dizer que, para mim, não importa quem eu sou para os outros – porque eu sou aquilo que necessitarem, nuvem ou tempestade, o que for melhor para a colheita -, mas me importo sim com quem eles são para mim.

Eu sou o melhor que posso ser em todos os momentos.

Eu sou o melhor de mim para mim todo o tempo.

E espero que todos também o sejam, sem tentar agradar ou mudar, porque tudo depende dos olhos de quem vê,

Devemos só procurar crescer para que, um dia, possamos também sentir falta desta época, não como alguém que morre ou que vê morrer, mas que sabe que em todos os momentos da vida teremos ventos nos carregando e que não importa onde iremos parar desde possamos sempre ora voar ora precipitar, tudo a seu tempo, sendo o melhor que podíamos ser, sem nos deixarmos cegar ou ver além da conta, uns nuvens mais acima, outros água mais enraizada no chão, não importa, desde que saibamos a hora de subir ou de descer.

Ou talvez nunca seja possível saber.

Mas se formos sempre o melhor que pudermos ser, bastará.

E bastando nada mais faltará porque seremos suficientes para nós mesmos.

Eu sentirei falta, saudade, terei lembranças, guardarei na memória.

Mas ainda assim, apesar da melancolia que às vezes abate e faz querer ficar, tenho uma forte impressão de que realmente irei embora, para o céu ou para o chão, porque temos que seguir em frente. Sempre... E isto me conforta.

Ainda bem. Ainda bem...

3 comentários:

  1. Saber que um dia não estará mais no presente, pensar a respeito desse fato, sem se curvar para as fraquezas e consolos inventados pelos fracos, isso, é superar o homem. É uma das coisas mais difíceis, assim também ocorre com o amor que transformaram em virtude sendo que na verdade é uma fraqueza.
    Gostei do texto, parabéns. Abraço.

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