quarta-feira, 13 de outubro de 2010

Rasgos

Se eu me rasgasse, assim, da cabeça aos pés, pergunto-me o que sairia de mim.
Dias, meses, uma vida?
Um ser recolhido, um monstro assustado, muito sangue, muita raiva, muito perdão, muito amor, muito... Ou talvez não saísse nada.
A ausência, a saudade, a palavra solta – falada, os olhares móveis, os apertos que já foram dados, a lembrança, toda a memória de algo.
E que algo seria esse?
Uma vida de histórias, sim, porque a vida são vários contos, causos, prosas.
Talvez saísse de mim uma árvore, um pássaro, só um galho, uma asa.
Talvez haja penas... Porque sinto-me tão preenchida dentro de mim.
Ou seria de água?
Molas, quem sabe, enferrujadas?
Sangue pulsando, isso não seria nada.
Se eu me rasgasse da cabeça aos pés haveria sonhos?
Seria o rasgar o meu acordar?
Ou só morrer?
Morrer para despertar.
Aqui, lá, além, com Deus, sem Deus, comigo, sem mim, com outros, ou para sempre em solidão.
E se o inferno for uma sala vazia? Não haveria para mim maior punição.
Mas se o céu for mesmo azul, o sono me consumiria.
E será que lá alguém me veria?
Saberiam os anjos descrever o que nem eu vejo?
Se lá eu me rasgasse talvez despejasse utopia.
Sonhos não realizados, uma vida vivida em demasia sem nada ter completado.
E eu me rasgaria?
Já me rasgo a começar pelo pensar sobre a tal apostasia que é matar-se.
Quanto mais me abro mais morro ou mais me acho?
Se eu me rasgasse eu me definiria...
Mas prefiro ser ser já rasgado que vai sendo colado aos poucos, feito miscelânea.
Um mosaico...
Colocando para dentro todas as coisas que me representam e que eu jamais deixarei de lado.
Sendo assim, nunca jamais poderei ter o corpo rasgado, posto que para colar foi necessário que eu me tenha quebrado...
Alguém mais entende a mim?

Um comentário:

  1. Eu entendo perfeitamente! Perfeito Le, um dos melhores que eu li ultimamente...

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