quarta-feira, 26 de setembro de 2012

Luminescências...

'Aquela moça era intrépida. E eu tinha ciúmes dela, porque seu sorriso era mais branco e seu olhar mais brando que as pradarias orvalhadas do sul. Eram suas lágrimas que subiam num constante sublimar, ela não tinha delírios, seu único mal era amar... E queria logo o meu. Mas eu guardava o maço de cigarros, acendia só um palheiro e olhava de longe... No fundo eu a queria matar, mas a vida me ensinou a sorrir.' - Delir-se da moça do microfone.

'O desejo era de delibá-la toda naquela constância da música que surgia entre as distâncias. O batuque do coração acelerado, meu horizonte verticalizado, o toque do violão que chorava minhas lágrimas. Eram nuvens d'água aqueles passos belos, seus pés flutuavam como quem calçasse o céu, e era o céu vê-la bailar. Os cabelos molhados de suor colados ao rosto, a roda peregrina que cirandava aos montes curvos de seu quadril, e os joelhos beijando o chão... Era minha mais pura devoção sentir aquele perfume tomar conta da sala.' - Delibando uma canção.

Aquele calor sufocava as palavras e o discurso alheio abafava meus pensamentos. Era como se todas as respirações esmagassem meu tato, minha sensibilidade gustativa, meus olhares. Esmagavam-me com seus suspiros, porque eu nunca fui de felicidade. Aquela risada toda era corda bamba, fazia tremer minhas incertezas e eu não precisava de ninguém para derrubar minhas falsidades. Jurei que aquele gole de
 vinho seria o último, derradeiro despedir sem falar nada, levantaria e sairia por aquela porta como quem desdenha a alegria que está na mesa. Eles eram felizes demais para minha história, para minhas derrotas e falências. Eles eram felizes até por debaixo da chuva, penso que até se enterrados em lama. Esmagavam-me todos com seus ardores em chama, com suas paixões furtivas, com suas verdades libertadoras. E eu, que sempre fui de pessimismo, queria sair dali, mas para seguir a rigor a regra teria que ficar e assistir à minha desgraça. - Desmadrigado pessimista.

'Chovia. Aquela água toda me lembrava os campos bravos de cavalos selvagens. Não sei se chove lá, mas tem algo assim, de liberdade. E as tempestades trazem monotonia, é fato, mas também carregam a pulverização da fertilidade. É como se nos dias de sol tudo fosse igual, é sempre a mesma labuta, o mesmo calor intenso, os mesmos sorrisos, os mesmos ânimos – ainda que ora muito contente, ora muito cansado. Nos dias de chuva é sempre diferente, não se sabe quanta chuva vai fazer, porque não é estável como o sol. Não se sabe se haverá raios e trovões, ou se o guarda-chuva vai aguentar, se vai ventar ou se vai ser chuva parada... O fato é que com a chuva aprendi o segredo da vida, que é estar no meio do caminho sempre que houver muita imprevisão.' - Imprevisão Temporal.

‘Aqueles tempos eram de imprevistos. Eu te via passar ao meu lado, e teu ar gelado me causava arrepio. Olhares taciturnos de quem chora sem lágrimas. Aqueles teus olhos d’água, de verde claro profundos... Ardis miradas sem resposta, no começo eu te achava tão bruto. Sempre envolto em conversas jogadas fora – estávamos no mesmo cômodo ainda que por cima do muro. E eu te vigiava de olhadela – não perdia nada nem por um segundo. Naqueles tempos te paquerar era festa, e eu me punha vermelha nesses tantos imprevisíveis encontros fortuitos.’- Ardil Paquera.
Letícia Conde


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