domingo, 7 de abril de 2013

Minha parte

- Entra Sr. Joel, sente-se naquela cadeira ali, por favor.
- Sim senhor, doutor.
Então, após de reparar no aspecto óbvio de andarilho do paciente cheguei a conclusão que estava me deparando um caso de Herpes Zoster Facial.
Orientei o Sr. Joel, prescrevi as medicações, e ensinei como usá-las.
Ele me interrompe suavemente com ar de tristeza:
- Eu não posso comprar...
E eu com a minha ingenuidade de CRM novo, oriento o mesmo a procurar a assistente social do hospital para que ele consiga as medicações devido a sua questão social. 
Sai Sr. Joel da sala, entra um, entra outro, outro atestado, outra bobagem, outro me enganando, e assim corre o plantão.
Até que o telefone toca, e ouço a voz do outro lado esbravejar:
- Eduardo, você quem mandou o mendigo aqui na minha sala?
- Sim, mandei o Sr. Joel, porque ele precisa das medicações.
- Eu não posso fazer nada, estamos sem verba, e mesmo se estivéssemos com verba sobrando não compensaria, pois ele não vai fazer o uso das medicações.
Nessa hora eu paralisei por completo, estava absorto ouvindo de uma assistente social que não compensaria ajudar um paciente.
Me retirei das minha funções de atendimento, e fui até a sala da conhecida assistente social do hospital.
- Boa tarde, Dona Glória, preciso conversar com você sobre o caso do Sr. Joel
Sou então cortado por aquela senhora, que diz rispidamente:
- Não dá para conseguir remédio para um paciente como esse.
Por um instinto de humanidade, de criação, de amor ao próximo, de justiça, fui movido a fechar a porta da sala, e falar algumas verdades para Dona Glória.
- É o seguinte eu posso ser um menino perto da experiencia da senhora, mas se tem uma coisa que eu aprendi com a vida, com a minha graduação, com os meus pais, é a fazer a minha parte Dona Glória. Eu atendo a quem necessitar da minha ajuda, e não importa se a pessoa seguirá o tratamento proposto, ou se ela é pobre ou rica, ou ainda se ela levará realmente o tratamento a sério. As lesões na face do Sr. Joel podem progredir levando o mesmo a sepse em poucos dias caso não haja tratamento.
Nessa hora eu vi Dona Glória corar-se fortemente de vermelho, creio ser raiva, ou vergonha por ter agido de tanta má fé nesse caso.
Completei:
- Assim como eu fiz a minha parte de atender o paciente e prescrevê-lo, acredito que a senhora deva fazer a sua e conseguir as medicações para o paciente.
Sai da sala sentindo uma tristeza tão grande por ver como as pessoas ainda julgam a saúde caso a caso, fazendo distinção do pobre e do rico, mesmo na hora da doença.
Voltei as minhas funções pois naquele momento haviam mais fichas de atendimento.
E após o relógio bater 19hs, fui saindo da sala para dar lugar ao outro colega. 
Encontrei Sr. Joel sentado ao pé da escada do andar, me esperando:
- Dr. Eduardo, muito obrigado por ter ido conversar lá, a mulher conseguiu meus remédios.
Eu após alguns segundos de tão perplexo com aquele agradecimento:
- Por nada, Sr. Joel, estava fazendo apenas minha parte. Vejo o senhor no retorno em 5 dias.
- Tudo bem, Dr. Eduardo. 
Ao entrar no carro, eu me dei conta que aquela foi o único agradecimento que eu tive naquele dia por parte dos pacientes, e isso me deu uma sensação de felicidade imensa e uma certeza maior ainda de ter feito a coisa certa.
Após 5 dias volta Sr. Joel, com suas lesões na face totalmente cicatrizadas, com aspecto muito melhor, roupas limpas, calçado novo no pé, e banho tomado. Então pergunto:
- o Sr. está se cuidando melhor, hein?
- Decidi ir para um abrigo Dr, precisava me cuidar já que ganhei os remédios...
E assim eu aprendi que não há nada melhor do que fazer a minha parte, pois tratar alguém com dignidade talvez dê a essa pessoa alguma chance de aprender a se tratar com dignidade.


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