sábado, 8 de janeiro de 2011

Desatando nós


Por encarar as perdas com pesar, sofreu durante anos consecutivos escravizado pelas próprias lamurias. Levava no dorso um número cada vez maior de cicatrizes que pareciam se acumular durante as estações, esticando a pele, tornando-o cada vez mais imóvel. Aos 30 andava de lombo arqueado como um animal ferido que esperava levar o próximo bote. À medida que avançava na vida retrocedia na busca da felicidade, pois fazia questão de ignorar tudo àquilo que fosse relacionado ao seu ser, deixava que tudo fosse sobre o outro. Levava o outro consigo tão atado a sua alma que não mais separava o seu interior do mundo ao redor. Esqueceu-se que respirar era atitude no singular...
Não que o outro não tivesse culpa, mas não cabia a ele atribuí-las, afinal ninguém machuca aquilo que é intocável a não ser que se deixe tocar. Ele deixava, era sua autoflagelação, seu inferno particular, seu pagamento de dívida para com o mundo. E a cada nova marca que ostentava perdia parte de sua tão sonhada humanidade. Menino de carne que virou madeira, e por fim transformou-se em pedra fria.
E foi a sua própria frialdade que o fez ver onde tinha enfim chegado. Chegou ao lado oposto, oposto de si mesmo. Conseguia ver claramente o seu fim apesar de já não analisar mais os próprios comportamentos, sabia do quão destrutivo eram, embora não mais identificasse os porquês dos mesmos. Era tudo um vazio, um sopro de vácuo, que o assustava a ponto de não deixá-lo pensar.
Rogou por uma ajuda que não necessitava, estava tudo em suas mãos. Ao enxergar o quanto estava se enganando com a forma de aceitar as perdas partiu em busca de si. Sem bagagem, partiu carregando uns trocados na mão esquerda, e uma foto na outra mão. A vida o fez ambidestro, portanto sabia usar tão bem os trocados quanto olhar para aquela foto, que o lembrava do que não queria mais para si mesmo...
Conheceu gente, largou gente, amparou gente, e quando pensava que estava mais perdido por centrar-se cada vez mais no outro conseguiu se achar. Percebeu tão lentamente que nem entendeu a percepção. Aprendeu a ser ator principal em seu teatro. Agora estava no papel principal de sua vida, tornou-se personagem esférica, complexo, trilhou o caminho entre a admissão de culpa e a análise das atitudes.
Dessa forma mudou o foco de seu olhar sobre as perdas. Começou a enxergá-las como bênçãos que se acumulavam em sua trajetória, cada uma foi responsável por um novo recomeço, por um novo olhar, por um novo renascimento. E, como era bom saber de sua infindável capacidade de se recriar, de levantar do chão que o amparou tão duramente através de seus próprios pés.
Deixou por fim as justificativas de lado. Assumiu para si mesmo o quanto imperfeito era, e como era bela toda a imperfeição acompanhada de uma análise de comportamentos. Era capaz de entender os porquês de tudo aquilo que era proveniente de suas atitudes. Fazia, enfim, sua parte.
Havia, portanto, desatado o nó dos outros de si mesmo, era problema deles. Só deles...

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